Mais um artigo da série sobre o OpenWRT. Neste artigo vou tentar ajudar os usuários que, por ventura, tenham feito algo de errado com seus roteadores com OpenWRT.
Depois de diversos pedidos de ajuda após problemas com o OpenWRT, achei interessante criar uma postagem para tentar ajudar a diagnosticar problemas e, com sorte, resolvê-los. O que mais escuto é: nada funciona! Vamos tentar derivar a afirmação catastrófica em coisas mais palpáveis. Como diria o Jack, vamos por partes.
O que você pode fazer que "estragaria" o OpenWRT? As possibilidades são limitadas. A mais comum é uma falha de software provocada. Alguma coisa (incluindo a coisa você) pode ter "estragado" o sistema de arquivos. Você pode ter editado/apagado algo que não devia ou ter enchido a partição de dados. Outra possibilidade é que alguma alteração da configuração fez com que alguma (ou todas as) funcionalidade do roteador deixasse de funcionar. Se você está usando a imagem recomendada no formato squashfs, no pior dos casos, você pode entrar no modo de recuperação, que veremos mais adiante. Mesmo que você exclua todos os arquivos, a recuperação é tranquila. Isto porque no caso do squashfs, a imagem inicial do OpenWRT não é alterada. Todas as modificações são gravadas em uma área separada, que pode ser limpa ou ignorada com o modo de recuperação. Se é tudo tranquilo, quando que não é?
O mais simples dos desastres é um dano físico. Deixar cair o roteador, molhar, alta tensão, são coisas que podem estragar os componentes eletrônicos. O OpenWRT não tem culpa neste caso e a instalação do OpenWRT não causa falhas físicas (e também não irá resolvê-las). Então, se já com o OpenWRT ele funcionava e "deixou de funcionar" sem ninguém mexer, deve estar nesta categoria. Se "deixou de funcionar" após algum evento não físico, vai ser o caso anterior ou o próximo.
O dano tão grave quanto um problema físico é um problema durante a fase de gravação da firmware/imagem. Isto vale tanto na troca da firmware original pelo OpenWRT como na atualização do OpenWRT para outra versão. Os problemas são diversos: imagem corrompida, imagem incompatível (modelo ou versão do hardware), uso de imagem de versão em desenvolvimento (trunk), interrupção por falta de energia... Neste caso, se o roteador "não responde", provavelmente você terá que usar um cabo serial para recuperar o roteador. Conheço apenas estes métodos "normais" de gravar a firmware de dentro do OpenWRT:
- gravando a firmware pela interface Web
- usando o comando sysupgrade,
- usando o comando mtd ou,
- mais hardcore, o comando dd interagindo com o dispositivo /dev/mtd* (mtd seguido de qualquer coisa).
Como identificar até onde o roteador funciona? Precisamos entender um pouco do processo de boot do sistema. Após ligar o roteador na tomada, ele dispara o gerenciador de boot. No Linux, hoje em dia, temos o grub ou o syslinux. Para os dispositivos embarcados, como os roteadores, isto varia. Os TP-Link usam uma versão customizada do U-boot. Outros usam RedBoot. Tudo depende. Vamos a alguns casos comuns:
- Se o roteador nem deu sinal de vida, nem piscou, é provavelmente uma falha física.
- Se ele ligou e após um curto momento (1 segundo, por exemplo) ele apagou tudo e parou ou entrou em um processo de repetição, provavelmente você tem uma firmware inválida e precisa recuperar com o auxílio de uma serial.
Algumas pessoas nesta situação testam as portas Ethernet locais para comunicação entre duas máquinas e, quando funciona, dizem que o roteador está funcionando. Estas portas, na grande parte dos casos, possuem um circuito dedicado que realiza a tarefa de um switch. Então, não é condição determinante para avaliar a operação do roteador.
O processo de boot do kernel e do sistema do OpenWRT é ligeiramente rápido e termina em poucos segundos. Esperar por vários minutos provavelmente não irá resolver seu problema. Então "o tempo cura tudo" não se aplica neste caso. Para modelos TP-Link, o LED "system" começa a piscar logo que o roteador inicia o processo de boot e o OpenWRT, ao final do deste processo, troca o estado deste LED de "piscando" para "ligado constantemente". É um indicativo que ele terminou de ligar o sistema. Se o LED nunca deixa de piscar, pode ter algo que impeça a inicialização do sistema ou ele travou. Pode tentar resolver com o modo de recuperação ou, em casos mais graves, recuperar com o auxílio de uma serial.
Algumas reclamações sobre problemas são que a "rede sem fio não funciona". Se este é o seu caso, fique feliz. Leia o artigo sobre configuração. A rede sem fio, por padrão estará desligada. Use o cabo durante a configuração. Outra possibilidade, remota para modelos suportados e versões estáveis, é de alguma incompatibilidade com o driver da placa sem fio do seu roteador. Se em algum momento ele funcionava com o OpenWRT e deixou de funcionar, é problema de configuração e não incompatibilidade. Se não souber o que foi feito, zere as configurações ou entre no modo de recuperação.
Outra ferramenta muito útil para diagnosticar o que ainda funciona no roteador é um sniffer de rede. Recomendo o wireshark, que funciona em qualquer sistema operacional comum. É o canivete suíço para diagnosticar quase qualquer problema de rede. Preferencialmente, force a sua interface de rede local para sempre estar levantada, com configuração IP fixa e escute o tráfego pelo wireshark. Se o roteador falar algo, já é um bom sinal. Pode observar a origem dos pacotes pelo endereço físico (MAC).
Agora, vamos para as técnicas:
Zerar as Configurações
Se você fez algo de que se arrepende mas não sabe como resolver, no pior dos casos, zere as configurações. Isto pode ser feito pela interface Web ou usando um terminal (SSH, Telnet ou cabo serial) com o comando "firstboot". Reinicie o sistema e ele estará com as configurações que você tinha logo após instalar o OpenWRT.
Modo de Recuperação (referencia)
É comum escutar alguém dizendo que "o roteador não reseta mais". Sim, com o OpenWRT, o botão "reset", normalmente escondido dentro de um furo no gabinete, não serve para zerar o roteador. Ele é a entrada para iniciar o modo de recuperação. Porém, ele somente pode ser acionado durante um pequeno momento após iniciar o roteador. Logo que o roteador é ligado e o OpenWRT assume o controle, ainda antes de ler as mudanças do disco e configurações, ele envia um pacote UDP pela rede com o seguinte conteúdo: "Please press button now to enter failsafe". Nesta hora, pressione o botão, mas seja rápido. Uma dica é observar o primeiro pacote enviado pelo roteador depois de ligado nas informações da placa de rede. Este primeiro pacote será o aviso do modo de recuperação. Em geral, na ausência do botão de "reset", um botão físico qualquer é usado.
Outra alternativa para iniciar o modo de recuperação é pela serial. Observe as mensagens de boot até que irá aparecer a mensagem: "Press the [f] key and hit [enter] to enter failsafe mode". Como a mensagem diz, pressione a letra "f" e depois "enter", mas seja rápido.
No modo de recuperação, o roteador irá ignorar todas as alterações feitas no passado no disco. Isto inclui mudanças nos arquivos, configurações e pacotes instalados. A configuração de rede do roteador será 192.168.1.1, com máscara 255.255.255.255 (/24). Para seu computador conseguir conversar com o roteador, ele deve ter um endereço na mesma rede como, por exemplo, 192.168.1.2, máscara 255.255.255.0. O DHCP ou interface Web não estarão funcionando. O roteador estará esperando uma conexão Telnet, que acessará o roteador sem usar senha (ex: telnet 192.168.1.1).
Se seu problema é mais pontual e você quer simplesmente alterar alguma coisa como uma regra de firewall, execute o comando "mount_root". Você poderá, então mudar as configurações ou trocar a senha de root com o comando "passwd". Porém, se a ideia é simplesmente rezar as configurações, execute o "firstboot".
Deslige e ligue o roteador ou execute "reboot -f" para testar suas alterações.
Usando um Cabo Serial
O uso do cabo serial é extremo e especializado para cada modelo. Busque maiores documentações na página de seu dispositivo na Wiki do OpenWRT. Normalmente, os fabricantes não se preocupam em facilitar o acesso à serial do dispositivo, mesmo ela existindo. Em geral, nos modelos mais baratos, o acesso da serial depende da solda em algum ponto da placa do roteador. Em alguns casos, é um local bem acessível. Em outros, você precisa de uma precisão cirúrgicas (é o cabo fino da imagem em zoom). Outro ponto para ser observado é que a serial do roteador pode não ser uma serial convencional. Ela pode usar tensão abaixo do padrão da serial (nível de tensão TTL), que depende de um circuito divisor de tensão ou adaptador. Neste caso, alguns cabos de celular realizam esta tarefa com perfeição. Eu usei um cabo DKU-5 antigo para celular Nokia. Se ligar um cabo serial convencional neste caso, ele vai fritar a placa do seu roteador.
Uma vez com o acesso serial, você precisa de um emulador de terminal. O minicom no Linux ou o Hyperterminal no Windows cumprem esta função. Identifique a configuração necessária para o seu dispositivo, por exemplo 115200 8N1, e aplique no seu emulador de terminal.
Se estiver funcionado, você receberá mensagens logo que ligar o dispositivo. Neste ponto, você poderá interagir com o gerenciador de boot, trocar parâmetros ou até mesmo gravar uma nova imagem. Tudo isto depende do modelo em questão. Novamente, busque documentação na wiki, informações em fóruns.
Espero que estas dicas ajudem aos aventureiros a resolver seus problemas de configuração. Até a próxima.